A Ecologia do Estuário
O Estuário do Tejo é um dos maiores da Europa Ocidental; cobre uma área de 325 Km2 e as zonas entremarés correspondem a mais de 40% do total. Tem, em média, uma profundidade relativamente baixa de 10 metros e o caudal das marés é muito superior ao do rio Tejo.
É uma zona de grande produtividade vegetal e animal e as grandes extensões de lodo proporcionam habitat a muitos seres vivos que servem de base às cadeias alimentares. Serve de “berçário” e viveiro a muitas espécies de peixes e proporciona abrigo, alimentação e local de nidificação a muitas aves.
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Zona Húmida de importância nacional e internacional
A Reserva Natural do Estuário do Tejo (RNET), situada a norte de Alcochete, é a zona húmida mais extensa do país e uma das dez mais importantes da Europa. Este estatuto foi-lhe atribuído para proteção das aves aquáticas migratórias que aqui acorrem.
O estuário concentra, durante a época de Invernada, um número substancialmente superior a 20.000 aves aquáticas, mínimo considerado necessário para a atribuição de estatuto de zona húmida de valor internacional. De facto, nas épocas de passagem, o estuário chega a acolher mais de 120.000 aves, das quais se destacam os alfaiates, que fazem uma verdadeira concentração, já que se pode aqui encontrar mais de 20% da população da Europa ocidental.
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Alfaiate, Recurvirostra avosetta (Frans Vandewalle)
A nível comunitário, o estuário inclui também uma vasta área classificada como Zona de Proteção Especial (ZPE). Esta classificação deriva da aplicação da legislação europeia Diretiva 2009/147/CE relativa à conservação das aves selvagens, mais vulgarmente designada por “Diretiva Aves”. Essa mesma área geográfica coincide praticamente com a área delimitada ao abrigo da Diretiva 92/43/CEE, do Conselho, de 21 de Maio, conhecida por “Diretiva Habitats”, que visa a conservação da biodiversidade, através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens do território da União Europeia, nomeadamente mediante a criação de um conjunto de sítios de interesse comunitário, designados como zonas especiais de conservação (ZEC).
Assim, a ZPE e a ZEC do Estuário do Tejo constituem uma unidade, por sua vez integrada na Rede Natura 2000, uma vasta rede de áreas de valor ecológico no território da União Europeia. Uma pequena parte da ZPE do Tejo localiza-se no Concelho da Moita, correspondendo sensivelmente à Quinta do Esteiro Furado em Sarilhos Pequenos.
O Estuário do Tejo está ainda classificado ao abrigo de um tratado internacional designado por “Convenção sobre Zonas Húmidas de Importância Internacional, especialmente como Habitat de Aves Aquáticas”, conhecido por Convenção de Ramsar, a que Portugal aderiu em 1980.
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Os sapais e as suas funções ecológicas
As variações da salinidade, a diferente granulometria dos sedimentos e os períodos de emersão, são fatores físicos que implicam, para os seres vivos, uma grande capacidade de adaptação e de integração dessas variações. Nas zonas húmidas ribeirinhas de sapais e salgados, onde as marés e os níveis de salinidade são determinantes, verifica-se a predominância de espécies vegetais adaptadas ao sal, chamadas halófitas.
Os sapais são dos ecossistemas mais valiosos da biosfera, pela elevada produção de oxigénio, retenção de carbono, reciclagem de nutrientes, redução da poluição e função de habitat e suporte de várias cadeias alimentares, incluindo de peixes, alguns com valor comercial.
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Sapal-Zona com morraça, Spartina maritima (Arquivo Municipal)
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Sapais e ervas marinhas: ecossistemas de carbono azul
Os habitats naturais inundados pela maré formam ecossistemas que capturam grandes quantidades de carbono, o que pode ajudar a mitigar as alterações climáticas. O dióxido de carbono é armazenado na biomassa e nos solos lamacentos. O carbono “sequestrado” ou retido por ecossistemas marinhos e estuarinos é por isso apelidado de “Carbono azul”.
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Legenda: Estimativas de armazenamento e sequestro de carbono azul no Estuário do Tejo (in FCG_CarbonoAzul_Relatorio-II_Web.pdf (gulbenkian.pt)
Apesar do seu importante papel, os sapais estuarinos em Portugal correm o risco de desaparecer, sobretudo devido aos efeitos das alterações climáticas, entre outras causas de pressão.
As ervas marinhas constituem também um importante ecossistema de carbono azul. Trata-se de plantas produtoras de flor que formam prados densos em áreas rasas e protegidas ao longo da costa. Oferecem uma série de benefícios: atuam como viveiro e fonte de alimento para uma grande variedade de espécies marinhas; abrigam muitos peixes e outros animais; protegem as costas absorvendo a energia das ondas; produzem oxigénio e limpam o oceano absorvendo os nutrientes poluentes produzidos pela atividade terrestre humana. Além disso, e apesar de ocuparem apenas 0,2% do fundo do mar, as ervas marinhas representam 10% da capacidade do oceano em armazenar carbono proveniente da atmosfera e conseguem fazê-lo de forma bastante mais eficiente do que as florestas tropicais.
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Prado de ervas marinhas de Zostera sp (Sue Scott)
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Ervas marinhas no Tejo
Em Portugal, as mais extensas pradarias marinhas encontram-se na Ria Formosa, Ria de Aveiro e nos estuários do Sado, Tejo e Mondego. No Tejo as pradarias são exclusivamente da espécie Zostera noltei e encontram-se sobretudo na zona entremarés do Samouco. Um peixe muito interessante que surge frequentemente nas pradarias marinhas é o cavalo-marinho, presente também no Tejo.
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Imagem: Cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus), existente no prado de ervas marinhas da Trafaria (Almada), juntamente com o cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus) e a marinha (Syngnathus acus).
A espécie Zostera noltei está potencialmente presente na área do Concelho da Moita, mas exposta a uma enorme pressão devido ao pisoteio frequente dos apanhadores de bivalves, que com a sua atividade pisam os novos rebentos e arrancam as raízes. Atualmente muito pouco ou nada resta deste habitat, anteriormente presente na zona em frente ao Rosário. Em Portugal Z. noltei está avaliada como “Quase Ameaçada”.
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Zostera noltei na maré baixa (Mark Davies)
Saber mais: FCG_CarbonoAzul_Relatorio-II_Web.pdf (gulbenkian.pt)
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Peixes do estuário do Tejo
No estuário do Tejo, a comunidade de peixes varia consoante a época do ano e são raros os peixes que aqui habitam em permanência. Assim, podem classificar-se as espécies de peixes como residentes, espécies que utilizam o estuário como viveiro, migradoras e ocasionais.
As espécies residentes estão adaptadas às fortes alterações de salinidade e temperatura e às correntes. Por exemplo, o charroco (Halobatrachus didactylus) faz posturas de ovos relativamente grandes nos fundos, aderentes a qualquer tipo de substrato, sejam pedras, cascas de ostra, pedaços de telhas, etc.. Outras espécies residentes comuns são o biqueirão ou anchova, a corvina-legitima ou rabeta, os cabozes, os cavalos-marinhos e as marinhas.
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Charroco, Halobatrachus didactylus, (Ilustração: Telma Costa)
Os peixes que utilizam o estuário como viveiro reproduzem-se no mar, mas os juvenis encontram aqui grande quantidade de alimento, menor número de predadores e boas condições de temperatura. Permanecem no estuário durante um período variável e retornam depois ao mar. São exemplos o robalo, a sardinha, o ruivo, a faneca, os linguados e os sargos.
Entre os migradores distinguem-se os anádromos e os catádromos. Os anádromos habitam águas marinhas, mas migram para os estuários pois efetuam a postura em água doce; é o caso do sável, a savelha e a lampreia. Os catádromos vivem em estuários e água doce, mas reproduzem-se no mar, sendo os mais conhecidos a enguia, a tainha e a tainha-fataça.
Nas salinas, os reservatórios de água maiores que recolhiam a água diretamente do estuário, eram designados por “viveiros”, onde era frequente criar-se peixe para consumo. Ainda hoje são adaptados para se fazer alguma aquacultura, sobretudo de robalo e dourada.
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Vista do viveiro da Marinha Pequena (Carla Correia)
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Dourada, Sparus aurata (Ilustração:Telma Costa)
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Robalo, Dicentrarchus labrax (Ilustração: Telma Costa)
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Deixamos-lhe alguns links úteis, com mais informação.
Artigo Público | Ervas Marinhas
Trafaria | Cavalos-marinhos resgatados em 2022 regressam a casa - Almada online
Frontiers | Seagrasses benefit from mild anthropogenic nutrient additions (frontiersin.org)
Ervas marinhas, uma arma secreta na luta contra o aquecimento global (unep.org)